Dispensa de empregados durante a pandemia e o fato do príncipe

Artigo de Opinião: Alexandre Bastos, advogado trabalhista e sócio do escritório Atílio Dengo Advogados Associados.

Transcorridos mais de 100 dias de estado de calamidade pública face a pandemia causada pela Covid-19, a dispensa de trabalhadores e as dificuldades financeiras das empresas são agravadas não apenas pela retração econômica, mas também pela necessidade de fechamento dos estabelecimentos por ordem governamental. Diante disso, a questão que surge é se seria possível responsabilizar o poder público na hipótese de algum ato da Administração culmine na paralisação da atividade empresarial e, com isso, venha inviabilizar o empreendimento econômico? Trata-se do fato do príncipe, previsto no artigo 486 da CLT.

Naturalmente, o empresário, ao buscar o lucro, assume os riscos inerentes ao empreendedorismo. Não será razoável, porém, impor ao mesmo o prejuízo provocado por uma ação discricionária do poder público. Deste modo, o caput do artigo 486 da CLT prevê que, “no caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.”.

É certo que o isolamento social inviabiliza alguns empreendimentos, mas, afinal, o fato do príncipe poderá ser invocado pelo empregador que despedir empregados neste momento? Temos a convicção de que a resposta é negativa! Com efeito, o fato do príncipe parte da lógica de que o administrador público não pode, deliberadamente, prejudicar o particular. Assim, só é possível invocar o instituto diante da prática de um ato discricionário pela Administração Pública. Neste atual momento, é preciso lembrar que não há nenhum respaldo jurídico para a afirmação no sentido de que o poder público arcará com as indenizações rescisórias integralmente. Caso uma empresa adote este procedimento, dispensando os empregados com a informação de que o governo estadual ou municipal pagará o acerto rescisório, estaremos diante de uma conduta irresponsável e de absoluta má-fé patronal. No caso da pandemia, em regra, é fato que os empresários não têm culpa do insucesso do empreendimento econômico no contexto atual. No entanto, a culpa também não recai ao poder público, na medida em que os gestores estaduais ou municipais restringiram a atividade econômica sem espaço de discricionariedade, buscando esvaziar os espaços públicos e privados como medida de contenção à propagação do vírus.


Alexandre Bastos, advogado trabalhista e sócio do escritório Atílio Dengo Advogados Associados.

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