O novo regime alternativo de ICMS-ST e a injustiça fiscal

Opinião: Rafael Lacerda Paiani, advogado especialista em Direito Tributário e sócio do escritório Atílio Dengo Advogados Associados

O ICMS-ST, instituído pela Emenda Constitucional nº 3/93, visando gerar praticidade à arrecadação dos estados, foi severamente contestado pelos contribuintes desde sua instituição. Principalmente, diante da tributação de fato futuro (já que presume a ocorrência de fatos geradores até então inexistentes) e da impossibilidade de sua restituição quando a base de cálculo presumida fosse superior à efetivamente praticada.

Em 2002, o STF considerou constitucional esse regime e admitiu a restituição apenas nas hipóteses de não realização do fato gerador presumido, como em: roubo, furto, incêndio, perecimento, etc. No entanto, em nova decisão proferida em 2016, o STF, quando do julgamento do RE 593.849, fixou tese em que admitiu a restituição da diferença do ICMS-ST pago a maior quando a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida, os contribuintes – com essa suposta vitória nos tribunais – se viram diante de uma sistemática de arrecadação que, embora permanecesse complexa e penosa, ao menos passaria a respeitar a regra instituída pela emenda constitucional de 1993.

Não obstante, o que se percebe é que o tema está longe de ser pacificado. Mais do que isso, em maio de 2019, foi proferida uma nova decisão sobre o tema. Ao julgar o RE 1.097.998, o STF criou a hipótese de complementação do ICMS-ST, nos casos em que a base de cálculo presumida for inferior a efetivamente praticada, algo que nossa Constituição não prevê. Com isso, pode ter tornado sem efeito a própria tese que anteriormente havia fixado quando do julgamento do RE 593.849. Isso porque, diante das dificuldades em operacionalizar a complementação do ICMS-ST e em receber os valores pagos a maior, as empresas de diversos setores da economia tem recorrido aos fiscos estaduais em busca de um regime alternativo, que nada mais é do que o retorno do antigo ICMS-ST, sem que haja complementação, tampouco o direito à restituição. O estado do Rio Grande do Sul inclusive já firmou o Convênio nº 67/19, junto ao CONFAZ, para implementar esse “novo” regime.

Se trata de um cenário kafkiano. As empresas travaram uma batalha de mais de duas décadas para ver assegurado o direito constitucional à “imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”. Obtiveram esse direito. Mas, diante do comportamento estatal (ora chancelado pelo STF) de cobrar o complemento do tributo, optam em firmar um acordo com os Estados em que abrem mão de ter o seu direito à restituição, contato que o método de arrecadação seja mais simplificado. Quem é o principal prejudicado com esse novo desdobramento? O consumidor final que é quem sofre, de fato, a repercussão tributária do ICMS. Afinal, é ele o destinatário dos produtos que são comercializados.

Há que se chamar atenção ao fato de que o ICMS-ST fere frontalmente os princípios: da capacidade contributiva, da segurança jurídica e da praticidade. Independentemente da via escolhida pelo STF (seja na decisão de 2002; de 2016; ou, na recente de 2019), na tentativa de dar uma interpretação ao instituto conforme a Constituição, o que se percebe hoje é que, conforme havia sido ressaltado pelos doutrinadores (Roque Carraza, Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho) quando da promulgação da EC 3/93, a substituição tributária para frente é uma figura inconstitucional, não apenas porque admite tributar fato futuro, mas como demonstram todas as decisões proferidas pelo STF, se trata de forma impraticável de tributação. O resultado é a injustiça fiscal.

Rafael Lacerda Paiani, advogado especialista em Direito Tributário e sócio do escritório Atílio Dengo Advogados Associados

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