Por Gabrielle Ribon*
Desenvolver uma discussão que juntasse finanças descentralizadas e bancos, até pouco tempo atrás, pareceria conflitante. Afinal, as criptomoedas e toda a tecnologia desenvolvida a partir dessa filosofia surgiram, justamente, para correr à margem do sistema financeiro tradicional e desafiar todos os paradigmas de funcionamento desse sistema. No entanto, com o desenvolvimento constante e a acessibilidade cada dia maior às tecnologias emergentes, está cada vez mais próximo de pensarmos nessas duas estruturas como complementares, ao invés de divergentes.
Isso porque, com uma certa criatividade e conveniência, o mercado tem pensado em como utilizar as novas tecnologias, desenvolvidas com o nascimento das criptomoedas, para implementar melhorias no sistema financeiro estabelecido ao longo de séculos, atacando os pontos que, historicamente, o padrão de mercado não consegue resolver.
Entre esses pontos, há um que afeta especialmente o público geral: o famoso “score” de crédito. Esse tipo de pontuação, gerada pelos bureaux de crédito e adotado massivamente por instituições financeiras, serve para avaliar o grau de credibilidade financeira do cliente, permitindo acesso (ou não) a serviços bancários como empréstimos e financiamentos. Muitas empresas também utilizam o score de crédito para definir taxas de juros customizadas e perfil de cartão de crédito.
Historicamente, a pontuação de crédito é definida por fatores pouco divulgados, mas que orbitam no âmbito da avaliação sobre regularidade no pagamento de dívidas, número de consultas realizadas ao CPF ou CNPJ, entre outras metodologias longe de serem transparentes. Ao final dessa análise, que é atualizada constantemente, é gerada uma nota que definirá se você é apto a assumir compromissos financeiros relacionados ao crédito, como empréstimos, financiamentos, consórcios, entre outros.
A grande falha é que esses fatores, isoladamente, não são suficientes para modelar um perfil apurado do consumidor, deixando de contemplar uma grande base de clientes que precisam de crédito e não conseguem acessá-lo. Entre eles, um público mais jovem, com pouco histórico de dados para compor um score robusto e preciso.
Alguns avanços nessa esfera foram feitos no último ano, com o crescimento do Open Finance, por exemplo, que permitiu um compartilhamento de dados maior entre as instituições e que são mais completos que os poucos fatores considerados pelos bureaux de crédito. No entanto, a blockchain tem demonstrado características importantes que podem ampliar o acesso ao crédito seguro de forma exponencial.
No cenário atual, e conforme dito anteriormente, o modelo de tradicional de pontuação não consegue incluir os indivíduos que possuem histórico de crédito limitado ou inexistente, impossibilitando o acesso dessa parcela de clientes aos serviços financeiros essenciais. Uma das maiores vantagens de uma adoção de sistemas descentralizados de pontuação de crédito é aproveitar fontes alternativas de dados, somado à verificação de identidade possibilitada pela tecnologia, para criar avaliações mais inclusivas do perfil de crédito dos clientes.
As questões de privacidade também encontram boas soluções com a adoção de plataformas descentralizadas. Os bureaux de crédito acumulam uma quantidade de dados pessoais e financeiros impressionantes, que são alvo constantes de ataques e suscetíveis a grandes vazamentos de dados, como ocorrido há alguns anos aqui no Brasil. A descentralização minimiza a concentração de dados sensíveis em um só lugar, priorizando a criptografia dos dados e o consentimento do usuário dos dados, permitindo atuar com mais segurança e privacidade.
Por ser descentralizada, a blockchain também demonstra, a longo prazo, um potencial de redução de custos e aumento da agilidade no processo de pontuação e consulta dos dados. Permite, ainda, um aumento da concorrência, minando o monopólio dos bureaux atuais, que são poucos e centralizados. O dinamismo dessa ferramenta também se encontra na adoção de contratos inteligentes (“smart contracts”) para compor os dados da pontuação em tempo real, incluindo fatores como fluxo de renda provenientes de investimentos em finanças descentralizadas, por exemplo.
Como toda tecnologia disruptiva, o emprego em massa por novas empresas e empresas tradicionais não está longe de ter seus próprios desafios. Seguindo o ritmo das outras mudanças que podem ser implementadas pela adoção da blockchain nos negócios, ainda é necessário melhorar a regulamentação para um uso em escala dessas dinâmicas descentralizadas.
A blockchain também enfrenta um paradoxo de escalabilidade, onde o aumento do uso e do fluxo de usuários pode fragilizar a velocidade e segurança das redes, impossibilitando uma rápida expansão na adoção da tecnologia. Outra grande ironia é que a escalabilidade só é possível com a integração das redes blockchain às plataformas tradicionais, garantindo uma interoperabilidade dos sistemas e uma boa interface com o usuário, mantendo a integridade das avaliações de crédito já existentes e a segurança desse mercado.
De qualquer forma, ainda com todos os desafios que estão no caminho, não é precipitado dizer que estamos perto de uma revolução no formato de avaliação e concessão de crédito trazida pelas finanças descentralizadas. As vantagens dos sistemas descentralizados, incluindo acesso inclusivo, privacidade aprimorada e eficiência, prometem abordar de forma mais equitativa e dinâmica a pontuação de crédito.
*Gabrielle Ribon é advogada e entusiasta de inovação. Mestranda em Inovação e Empreendedorismo pela Universidade de Edimburgo, atua no mercado financeiro com foco em novos produtos e tecnologias. É especialista em Creative Technologies pela Miami Ad School e LL.M em Direito Tributário pelo Insper.
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