Outubro Rosa além do marketing: como empresas podem apoiar genuinamente a saúde mental das mulheres o ano todo?

  • 29 de outubro de 2025
  • Sol FM

Com estimativa de 73 mil novos casos de câncer de mama em 2025, especialista alerta que o apoio das empresas deve ir além das campanhas e incluir políticas permanentes de cuidado e acolhimento Imagem: Freepik

 

O Brasil deve registrar 73.610 novos casos de câncer de mama até o final de 2025, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA) e do Ministério da Saúde divulgados recentemente. Em 2023, foram mais de 20 mil óbitos pela doença, com maior concentração nas regiões sul, sudeste e nordeste. Enquanto empresas de diversos setores abraçam o Outubro Rosa com campanhas visuais e ações pontuais, um aspecto essencial permanece negligenciado: o impacto profundo na saúde mental das mulheres afetadas pelo câncer de mama e de seus familiares.

O Outubro Rosa se tornou, em muitos casos, uma oportunidade de marketing superficial. As empresas iluminam prédios de rosa, distribuem lacinhos e promovem palestras de um dia, mas quando a funcionária recebe o diagnóstico ou precisa acompanhar uma mãe em tratamento, ela se vê sozinha diante de uma estrutura corporativa que não está preparada para acolhê-la de fato“, analisa a psicanalista, presidente do Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino (Ipefem), Ana Tomazelli.

Dados científicos revelam a dimensão do problema: estudos indicam que 33% das pacientes com câncer de mama desenvolvem depressão, conforme o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-V).

Um estudo publicado na Revista de Saúde, por exemplo, aponta que entre 25% e 35% das mulheres com câncer de mama podem desenvolver ansiedade e/ou depressão durante o tratamento. Especificamente, a prevalência de ansiedade foi estimada em torno de 24,74% e a de depressão em cerca de 26,8%, segundo a escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS).

53% das mulheres estão com níveis de estresse mais altos

O impacto psicológico do diagnóstico de câncer de mama não se restringe às pacientes. Profissionais que acompanham familiares próximos em tratamento oncológico enfrentam estresse crônico, ansiedade e sintomas depressivos que afetam diretamente seu desempenho e bem-estar no trabalho. Uma pesquisa realizada pela Deloitte, com cinco mil mulheres em 10 países, incluindo o Brasil, revelou que 53% delas estavam com níveis de estresse mais altos, e 46% apresentavam esgotamento em relação ao trabalho.

“Quando falamos em saúde mental no contexto do câncer de mama, precisamos olhar para o ecossistema completo. A mulher que está em tratamento não é apenas uma paciente — ela é mãe, filha, profissional, amiga. E seus círculos de convivência são igualmente impactados. Quando uma empresa ignora essa realidade, perde talentos, enfrenta maior absenteísmo e cria ambientes tóxicos onde o sofrimento silencioso se normaliza“, destaca Ana.

Um estudo divulgado pelo National Center for Biotechnology Information (NCBI) e publicado no Journal of the National Cancer Institute mostra que quase 50% das mulheres com câncer de mama precoce apresentaram depressão, ansiedade ou ambas no ano após o diagnóstico, e esses sintomas persistem em 25% dos casos nos anos seguintes, reforçando a importância do acompanhamento psicológico continuado.

Em 2024, o governo brasileiro criou a Lei 14.831, que institui o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental, estabelecendo requisitos para que organizações sejam reconhecidas por adotarem critérios de promoção da saúde mental e bem-estar de seus colaboradores, uma iniciativa que pode ser potencializada quando direcionada especificamente ao suporte oncológico.

Ações concretas para um apoio genuíno ao longo do ano

Para que o Outubro Rosa transcenda o marketing e se transforme em compromisso real, Ana Tomazelli aponta ações estruturantes que empresas podem implementar durante todo o ano:

  • Políticas de flexibilidade para tratamento e acompanhamento
    Empresas que desejam apoiar genuinamente a saúde das mulheres podem adotar políticas de flexibilidade que contemplem o tratamento e o acompanhamento de pessoas em situações delicadas. Isso inclui jornadas ajustáveis para funcionárias em tratamento oncológico, licenças remuneradas para quem precisa acompanhar familiares em sessões de quimioterapia ou radioterapia e a possibilidade de home office flexível durante períodos de maior fragilidade física ou emocional.
  • Programas de suporte psicológico especializado
    As organizações também podem investir em programas de suporte psicológico especializado, firmando parcerias com psicólogos e psicanalistas que tenham experiência em oncologia. Além disso, a criação de grupos de apoio voltados a pacientes e familiares dentro do ambiente corporativo contribui para fortalecer redes de acolhimento. Sessões de terapia integralmente cobertas pelo plano de saúde empresarial são outro passo para garantir que colaboradoras em tratamento tenham acesso contínuo ao cuidado emocional necessário.
  • Capacitação de lideranças para o acolhimento
    Outro pilar é a capacitação das lideranças para o acolhimento. Treinamentos voltados à comunicação empática com colaboradoras em tratamento ajudam a promover um ambiente mais humano e respeitoso, enquanto protocolos claros de suporte evitam situações de constrangimento e discriminação. Ao mesmo tempo, é importante fomentar uma cultura organizacional que normalize conversas sobre saúde mental e oncologia, reduzindo o estigma e fortalecendo o sentimento de pertencimento.
  • Benefícios ampliados e continuados
    Oferecer benefícios ampliados e continuados demonstra o comprometimento real da empresa com o bem-estar das funcionárias. Isso inclui a cobertura integral de mamografias e exames preventivos, o fornecimento de auxílio-transporte para deslocamentos a consultas médicas e a implementação de programas de reabilitação física e emocional pós-tratamento, que favorecem a retomada saudável da rotina profissional e pessoal.

“É fundamental que as empresas compreendam que o suporte não pode ser sazonal. Uma profissional que enfrenta o câncer de mama em março precisa do mesmo acolhimento que teria em outubro. E mais: o cuidado não termina com o fim da quimioterapia. O processo de reconstrução emocional é longo e demanda uma rede de apoio consistente. Quando as organizações investem nisso, elas não estão apenas fazendo o certo, estão construindo ambientes mais humanos, produtivos e sustentáveis“, completa Tomazelli.

O diagnóstico precoce salva-vidas, mas o suporte emocional sustenta a jornada

Estudos demonstram que, nos estágios iniciais do câncer de mama, a sobrevida em cinco anos varia entre 93% e 100%, enquanto em estágios mais avançados essas taxas não ultrapassam 70% a 72%. O diagnóstico precoce é, portanto, essencial, e as empresas têm papel fundamental ao facilitar o acesso a exames preventivos e ao criar culturas onde a saúde feminina seja prioridade genuína.

Em 2024, foram realizadas aproximadamente 4.307.786 mamografias pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em todo o Brasil, segundo número divulgado pelo Ministério da Saúde. Deste total, cerca de 4 milhões foram para rastreamento e cerca de 376,7 mil para exames diagnósticos. Além disso, mamografias em pacientes com menos de 50 anos representaram cerca de 30% do total, o que corresponde a mais de 1 milhão de exames realizados nessa faixa etária de acordo com a Secretaria de Comunicação Social.

Apesar dos números expressivos, ainda há barreiras de acesso que as empresas privadas podem ajudar a superar por meio de convênios facilitados, campanhas educativas durante todo o ano e políticas de incentivo à prevenção.

O Outubro Rosa pode e deve ser um momento de visibilidade, mas não pode ser a única resposta corporativa ao câncer de mama. Precisamos de políticas perenes, de lideranças capacitadas para lidar com o tema com sensibilidade e de estruturas que apoiem não apenas o corpo, mas a mente e o espírito dessas mulheres. Ao fazer isso, uma empresa está dizendo: ‘Você importa para nós não apenas como profissional, mas como ser humano’. E essa mensagem salva-vidas”, finaliza Ana Tomazelli.

 

IPEFEM
Fundado em 2019, o Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino – IPEFEM, atua em três pilares, que podem acontecer coordenadamente ou individualmente: pesquisa, educação e terapia. Em Pesquisas, considera-se todas as modalidades técnicas de pesquisa que considerem recortes por gênero, orientação sexual e saúde mental. Em Educação, o instituto tem a Comunidade Ipê, uma plataforma de educação à distância, baseada em Lifelong Learning, dedicada a aulas expositivas e micro conteúdos de impacto. Em Terapia, o instituto já atendeu milhares de pessoas, oferecendo apoio terapêutico individual ou em grupo, podendo ser atendimentos gratuitos ou com valores simbólicos acessíveis. 

Ana Tomazelli, psicanalista e Presidente do Ipefem (Instituto de Pesquisas & Estudos do Feminino), uma ONG de educação em saúde mental para mulheres no mercado de trabalho. Também é co-fundadora do Ipecre – Instituto de pesquisa e estudos em Ciência da Religião, uma ONG que promove conhecimento para a garantia das liberdades religiosas e promoção da paz mundial. Mentora de Carreiras, Executiva em Recursos Humanos, por mais de 20 anos, liderou reestruturações de RH dentro e fora do país. Com passagens pelas startups Scooto e B2Mamy, além de empresas tradicionais e consolidadas como UHG-Amil, Solera Holdings, KPMG e DASA (Diagnósticos da América S/A). Mestranda em Ciências da Religião pela PUC-SP e membro do grupo de pesquisa RELAPSO (Religião, Laço Social e Psicanálise) da Universidade de São Paulo, também é pós-graduada em Recursos Humanos pela FIA-USP e em Negócios pelo IBMEC-RJ. Formada em Jornalismo pela Laureate – Anhembi Morumbi.


Temma Agência | Foto: Freepik

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