População com 500 anos de isolamento genético que reside em alguns bairros de Curitiba e colônias rurais (PR e RS) têm seis vezes mais risco de desenvolver carcinoma basocelular, o tipo de câncer de pele mais comum. Pesquisadores identificaram a associação com 49 variantes em 41 genes, abrindo caminho para a prevenção e diagnóstico precoce nessas comunidades. Estudo foi destaque no III Congresso Brasileiro de Câncer de Pele, realizado em São Paulo
Os menonitas no Brasil apresentam uma predisposição seis vezes maior de desenvolver o tipo mais comum de câncer de pele (carcinoma basocelular) do que a população não menonita. A causa da maior prevalência estaria na genética, tendo sido identificada a associação da doença com 49 variantes em 41 genes. Os dados são do estudo Alta prevalência de carcinoma basocelular na população menonita: percepções de uma análise genética e epidemiológica, apresentado III Congresso Brasileiro de Câncer de Pele, em São Paulo, com organização da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO).
Listado entre os destaques da programação científica do evento, o trabalho foi apresentado oralmente por Maria Fernanda Carara, graduanda em Medicina na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Os resultados, inéditos, são uma continuidade do projeto genético-epidemiológico chamado Mennogen, iniciado em 2016 pela Professora Angélica Boldt do departamento de Genética da UFPR e orientadora da Maria Fernanda. “A própria população menonita expressou uma preocupação relacionada ao que parecia ser uma alta prevalência de câncer em sua comunidade”, relata Maria Fernanda Carara.
O cirurgião oncológico Matheus Lobo, presidente da Comissão Organizadora do congresso, afirma que a principal contribuição do trabalho foi colaborar no entendimento de populações de risco para o desenvolvimento de neoplasias de pele. “Os autores perceberam um aumento na prevalência de casos de carcinoma basocelular na população específica e investigaram as possíveis associações, em um bonito trabalho de epidemiologia e genética”, enaltece Lobo, que é titular do Departamento de Oncologia Cutânea do A.C.Camargo Cancer Center.
A identificação de populações mais propensas a determinados tipos de câncer possibilita um melhor manejo, com foco na prevenção e diagnóstico precoce. “As descobertas no campo da genética geram informações que contribuem para o acompanhamento por meio de exames de imagem, como dermatoscopia digital, que podem melhor selecionar os pacientes para a realização de biópsias e cirurgias em fase mais precoce da doença, com resultados melhores para o paciente”, explica o cirurgião oncológico Rodrigo Nascimento Pinheiro, presidente da SBCO e titular do Hospital de Base, de Brasília.
Os menonitas são um grupo anabatista-cristão que surgiu na Suíça no século XVI. A perseguição religiosa, fome, doenças e guerras os forçaram a viver isolados em colônias e realizar vários movimentos migratórios. Em conjunto, esses eventos levaram a uma menor variabilidade genética nesta população e, consequentemente, ao aumento da frequência de diversas doenças, entre as quais o carcinoma basocelular (CBC). O movimento migratório para o Brasil de menonitas surgiu em 1930, com imigrantes menonitas de língua baixo alemã, provenientes de colônias que foram destruídas na Ucrânia durante a revolução bolchevique, se estabelecendo no município de Witmarsum, em Santa Catarina. Quase um século depois, existem três localidades principais onde os menonitas residem no Brasil. A maior concentração é na cidade de Curitiba, em bairros como Xaxim, Boqueirão e Água Verde, assim como a Colônia Nova, na fronteira com o Uruguai; em Aceguá, no Rio Grande do Sul e a própria comunidade da Colônia Witmarsum, a 60 Km de Curitiba, no município de Palmeira.
COMO O ESTUDO FOI FEITO?
Inicialmente, a população menonita do Sul do Brasil foi convidada para participação voluntária por meio de correspondências, anúncios em jornais e atividades de divulgação em eventos sociais, envolvendo, principalmente, a atuação do grupo de pesquisa do CNPq em Epigenética e Genética Epidemiológica da UFPR, incluindo bolsistas da CAPES e voluntários das próprias comunidades. Com isso, foram aplicados questionários para 941 participantes, sendo 770 menonitas e 171 não menonitas. Destes menonitas, foi realizada a extração de DNA de 325 participantes. Por fim, foi feito o exoma de 51 participantes menonitas, sendo 18 com história prévia de CBC e 33 controles.
Carara explica que, apesar de ser uma amostra relativamente pequena, houve significância estatística, com intervalos de confiança razoáveis. “Essa é uma das principais vantagens em se trabalhar com a população menonita – devido a sua história demográfica com eventos de “gargalo de garrafa” – nos quais há uma redução drástica da população, seguida por efeito fundador com nova expansão populacional e isolamento – que reduzem a diversidade genética, aumentando a frequência de variantes normalmente raras. Dessa forma, é necessária uma amostra menor para se encontrar variantes genéticas de risco para doenças”, contextualiza a pesquisadora. Além disso, complementa Carara, a população mantém registros genealógicos e as famílias em geral são muito bem estruturadas, permitindo a seleção de controles sem qualquer tipo de câncer na família, independentemente da idade de surgimento desse câncer.
OS PRINCIPAIS RESULTADOS – A prevalência de carcinoma basocelular, ao se comparar menonitas e não menonitas residentes na mesma localidade, foi de 8,26% contra 1,37%, ou seja, seis vezes maior entre os menonitas. Na busca por causas genéticas, a análise resultou na identificação de 49 variantes de risco em 41 genes que já eram conhecidos como importantes no câncer em geral, mas nenhuma ainda tinha uma associação apontada para o carcinoma basocelular. Neste achado, há uma atenção especial para o JAK3, que é um oncogene que apresenta algumas variantes de alta penetrância na suscetibilidade ao câncer (não somente ao CBC)
O estudo, portanto, contribui para a prevenção e manejo da população mais suscetível a este câncer de pele. “Como sabemos agora que a população menonita é de alto risco para o CBC, estamos planejando a realização de campanhas para a prevenção, educação e diagnóstico do CBC nesta população, dentro as atividades extensionistas do projeto MedEpiGen, também coordenado pela minha orientadora”, relata Carara.
A graduanda em Medicina refere-se, principalmente, à divulgação de maneiras de se proteger do CBC – como o uso de protetor solar, e a investigação diagnóstica mais frequente para essa população. “Pois é uma doença que é facilmente negligenciada e só diagnosticada em momentos mais avançados e de difícil tratamento”, complementa.
OS PRÓXIMOS PASSOS – Segundo a autora, são necessários mais estudos para confirmar e validar o risco na população miscigenada brasileira (podem ser outras variantes, nos mesmos genes) e os mecanismos funcionais das variantes que foram encontradas. “Contudo, no futuro, seria possível utilizá-las para um painel de investigação de alto risco com teste genético, caso sejam confirmadas, especialmente com os estudos genômicos que se seguirão ainda em 2024”, vislumbra Carara.
O objetivo, segundo ela, é sequenciar o genoma de cerca de mil amostras menonitas, incluindo as de menonitas ultraortodoxos (representantes de 40 das 196 colônias na Bolívia) e de mil amostras de brasileiros não menonitas, do sul do país, que responderam ao mesmo questionário. Isso porque a população menonita sul-americana ainda é pouco estudada, comparado com outras populações isoladas anabatistas, como os Amish, e com muitos casos familiares de CBC. “Acredito que seja muito importante avançar esta pesquisa no futuro, inclusive com participantes de outras comunidades da América do Sul, como na Bolívia, México e Paraguai, o que pretendemos fazer dentro do projeto para o qual obtivemos fomento do CNPq, chamado MedEpiGen internacional”, vislumbra.
ESFORÇO COLABORATIVO – O projeto, iniciado em 2016, também contou com a colaboração de Fabiana Lopes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), então pesquisadora em pós-doutorado no National Institute of Mental Health (NIMH), o que permitiu o sequenciamento de parte do genoma (exomas), em parceria com a Regeneron. A médica Viktoria Weihermann, pela UFPR, realizou o seu trabalho de conclusão de curso com os primeiros resultados, que confirmaram a existência de um componente genético importante para o que de fato, era uma alta prevalência de CBC. Este trabalho foi premiado no Congresso Brasileiro de Genética Médica em 2019. Com a obtenção das sequências de DNA, foi possível aprofundar esse estudo, que levou aos dados inéditos apresentados em São Paulo, no III Congresso Brasileiro de Câncer de Pele, no dia 12 de outubro.
Sobre a SBCO – Fundada em 31 de maio de 1988, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) é uma entidade sem fins lucrativos, com personalidade jurídica própria, que agrega cirurgiões oncológicos e outros profissionais envolvidos no cuidado multidisciplinar ao paciente com câncer. Sua missão é também promover educação médica continuada, com intercâmbio de conhecimentos, que promovam a prevenção, detecção precoce e o melhor tratamento possível aos pacientes, fortalecendo e representando a cirurgia oncológica brasileira. É presidida pelo cirurgião oncológico Rodrigo Nascimento Pinheiro (2023-2025).
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