Projeto de lei coletivo poderá criar política pública de reeducação de agressores de mulheres no RS

  • 28 de novembro de 2019
  • Sol FM

A Assembleia Legislativa vai trabalhar pela elaboração de projeto de lei coletivo que torne política pública as experiências de grupos de reflexão com homens agressores como instrumento para finalizar o ciclo de violência praticado contra as mulheres. O assunto esteve em debate hoje (27) durante audiência pública da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, como um dos atos de ativismo na semana que registrou a passagem do Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, em 25 de novembro.

A audiência pública foi solicitada pelo deputado Edegar Pretto (PT), que é o coordenador do Comitê Gaúcho do Movimento ElesPorElas, da ONU Mulheres Brasil. Para debater a construção da política de reeducação de agressores de mulheres no RS, agentes jurídicos, policiais e sociais estiveram reunidos pela manhã no Espaço da Convergência, oportunidade em que foram exibidas as experiências em curso para conter o fluxo de violência que tem vitimado cada vez mais mulheres nos últimos anos.

Pioneiro na luta para desfazer a masculinidade tóxica, Edegar Pretto relatou as ações que desde 2013 vem empreendendo nesse sentido, destacando a iniciativa do estado de São Paulo, que aprovou lei para a reeducação de homens agressores, com resultados que registram apenas 2% de reincidência entre os homens que passaram pelos grupos reflexivos. O parlamentar entende que a abrangência do tema exige uma construção coletiva para assegurar a aplicabilidade da futura lei, “a cultura do machismo resulta de um aprendizado na sociedade”, ponderou, contrapondo a experiência registrada pelo documentário ‘O Silêncio dos Homens’, que exibe a desconstrução didática dos conceitos machistas definidos pela sociedade e repetidos pelos homens em suas relações afetivas e que têm refletido nos atos de violência e feminicídio em todo o país. O documentário está disponível no Youtube.

Grupos Reflexivos de Gênero
Resultado da aprovação da Lei Maria da Penha em vigor no Brasil desde 2006, os mandados de proteção preventiva às mulheres vítimas de violência, as prisões e condenações por casos de feminicídio necessitam do contraponto da reeducação dos homens para encerrar o ciclo de violência doméstica, expressaram em seus depoimentos as autoridades, como a juíza de Direito Madgéli Franz Machado, do Tribunal de Justiça do RS. “O foco não é só a punição do autor da violência, também tem a preocupação com a prevenção e a assistência dos envolvidos”, afirmou a juíza, ao relatar a experiência do Juizado de Violência Doméstica com o cumprimento de penas que resultavam em prestação de serviços à comunidade mas sem vinculação com o crime cometido.

Nesse contexto, ela questionou a efetividade da pena, “em caso de réu primário, nem chegava à condenação”, o que resultou na formação dos Grupos Reflexivos de Gênero e sua utilização no cumprimento das medidas protetivas. Ao ser acolhida, a medida protetiva encaminha o agressor para os Grupos Reflexivos de Gênero, o que é feito mais tarde no inquérito e após a sentença, explicou Frantz Machado. Conforme a magistrada, a participação nesses grupos é uma ferramenta agregada na reflexão sobre a violência e seus desdobramentos, com resultados positivos.

Em vigor desde 2011 em Porto Alegre, dos 601 homens atendidos, a reincidência foi de 4,3%, índice distante da reincidência inicial de todo o sistema prisional que é de 70%, comemora Madgéli. Os grupos realizam 12 encontros, o primeiro é individual e o agressor deve registrar presença efetiva em 75% deles. O TJ promoveu quatro cursos de formação de facilitadores para esses grupos, que atuam em 22 comarcas, “para que todas as comarcas com interesse se somem à rede de proteção do município”, afirmou a juíza, que revelou ações voluntárias desses profissionais para custear os deslocamentos de homens e mulheres para a frequência nos grupos.

Para entender a violência
A juíza corregedora, Gioconda Fianco Pitt, do Tribunal de Justiça, observou que junto com a assistência à mulher agredida é preciso compreender o agressor e a origem do seu ciclo de violência. Das 160 comarcas gaúchas, 22 constituíram grupos reflexivos que envolvem o juiz, promotor e delegados que, com o apoio de equipe disciplinar, avaliam essas situações.

Na mesma linha manifestou-se a procuradora de Justiça Ângela Salton Rotunno, do Centro de Apoio de Direitos Humanos, que desenvolve cartilha dirigida aos promotores de justiça explicando sobre os grupos reflexivos para a sua implementação. Falou, ainda, do Botão do Pânico dirigido à mulheres vítimas de violência, e o Fale com Elas, desenvolvido para uso através do aplicativo whatsapp.

Pela Defensoria Pública, Liliane Braga Luz Oliveira também relatou interesse em parceria com a iniciativa, uma vez que tratar da masculinidade tóxica é difícil para os homens. Outra experiência veio da Polícia Civil, através da delegada Sônia Dall’Igna, nas 22 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher. Ela relatou projeto da Susepe, chamado Metendo a colher, em que o preso era inserido em grupo para refletir sobre a agressão e a violência doméstica. E iniciativa de delegada em Bento Gonçalves, que envolve a oitiva do agressor além do ato violento e estimula a participação em grupo reflexivo, está em estudo pela PC.

Do Departamento de Mulheres da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Bianca Feijó referiu-se ao “mito coletivo de que ao fazermos reflexão com os homens, estaríamos sendo contra as mulheres”, apontando também para as experiências positivas que reduziram os casos de reincidência masculina. “Esses grupos devem se tornar política de estado”, afirmou, olhando para a repercussão nos municípios que é onde se encontram as maiores dificuldades para o atendimento das vítimas.

Negligência e mudança cultural
Na sua intervenção, a deputada Luciana Genro (PSOL) registrou a falta de políticas públicas, recursos e interesse do atual governo no combate à violência contra a mulher, tanto que somente em outubro aconteceu a nomeação da responsável pelo Departamento de Mulheres. Disse, ainda, que, em 2019, apenas R$ 20 mil foram direcionados para a área, “confirmando a negligência do governo”, o que resultou na união das nove deputadas gaúchas para direcionar emendas do orçamento do próximo ano para aumentar os recursos. Apontou o “desmantelamento” das redes de proteção às mulheres, o Conselho Estadual da Mulher e a Casa de Referência de Porto Alegre, “o combate ao feminicídio exige ações não só da polícia, mas em todos os espaços”, disse ela, antecipando seu apoio à ideia de projeto de lei para a criação dessa política pública.

A deputada Sofia Cavedon (PT) referiu a necessidade de formação de crianças e adolescentes no ambiente escolar como forma de reeducar esses grupos, assim como nas áreas da segurança púbica, “a mudança cultural é nossa tarefa para conter o ciclo da violência”, afirmou.

Experiência de São Gabriel
De São Gabriel, o funcionário municipal Cícero Pacheco Trindade deu visibilidade à iniciativa criada dois anos após a aprovação da Lei Maria da Penha e que provocou bons resultados através do Grupo de Reflexão para Autores de Agressão. Uma das características apontadas pelo servidor municipal diz respeito ao total desconhecimento dos agressores do conteúdo da Lei Maria da Penha, “desconhecem, acreditam que violência é deixar marcas e machucados”, ignorando que a ameaça à vítima já é objeto de enquadramento legal por violência tipificada.

Durante dez anos o grupo reuniu 271 homens e registrou apenas nove casos de reincidência, contou Cícero, que acredita nesse protagonismo do agente da violência para o fechamento do ciclo violento. O custo é baixo e podem ser aproveitadas as estruturas das UPAs, CAPs e CRAs, orientou Trindade, que sonha com essa política pública em vigor em todos os municípios do país. Isso porque em São Gabriel, depois de todo o sucesso obtido com o grupo reflexivo, atualmente está desativado. Da Famurs, Tânia Feijó relatou as ações para sensibilizar prefeitos com essa pauta, “estamos tentando uma nova cultura”, antecipando encontro dia 4 de dezembro direcionado para as mulheres e as eleições municipais do próximo ano.

Seguiram-se manifestações de Maria Inês Barcelos, do grupo Thêmis, assessoria de gênero e direitos humanos; Patrícia Trindade, pela Associação de Pais e Mães pela Democracia; Maria Eduarda Carneiro, do Levante Popular da Juventude, que registrou a agressão sofrida ontem (26), na frente do Palácio Piratini, pela presidente do Cpers, Elenir Schuler, o que ela classificou como violência de gênero praticado por agente do Estado.

Pelo Conselho Estadual LGBT, Cleonice Araújo também apontou as dificuldades enfrentadas pelo grupo social, que é discriminado e tem registro de violência e morte em alta escala. Ela defendeu a prevenção como medida eficaz para conter a violência. O ativista social Rafael Boniatti também denunciou violência de agentes públicos contra as mulheres, como aconteceu em recente episódio na orla do Gasômetro, pela Guarda Municipal, com uso de spray de pimenta contra mulheres que vendiam pipoca, e estavam acompanhada de uma criança. Ele pediu atenção aos abusos cometidos pelas forças policiais contra mulheres.

Pelo Centro de Referência da Mulher de Porto Alegre, Maria Valéria também manifestou apoio à iniciativa de construção da política pública para reeducar os homens contra a violência doméstica e contra as mulheres.


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