Pesquisadoras brasileiras lançam cartilha de estudo realizado em universidade francesa sobre violência doméstica
Parte I: A Dimensão Inconsciente e Neurobiológica do Dano
São Paulo — A violência doméstica, em suas múltiplas manifestações (física, psicológica, sexual, moral e patrimonial), deixa marcas que, frequentemente, transcendem o visível, atingindo profundamente as estruturas emocionais e neurobiológicas das vítimas. Um novo material, a cartilha “Entendendo os Efeitos da Violência Doméstica no Corpo e na Mente”, desenvolvido pela Dr.ª Luiza Moura de Souza Azevedo e Dr.ª Michele Aparecida Cerqueira Rodrigues, da Logos University (França) propõe uma abordagem interdisciplinar inovadora, articulando os campos da Psicanálise e das Neurociências.
O propósito central da publicação é traduzir o conhecimento científico em linguagem acessível para fortalecer o olhar clínico e a escuta humanizada no cotidiano dos atendimentos. A obra associa saberes psicanalíticos e neurocientíficos para propor uma leitura ampliada do trauma, reconhecendo seus efeitos psíquicos inconscientes e as alterações fisiológicas associadas ao estresse crônico e à desregulação emocional.
O Registro Cerebral do Trauma
O estudo detalha como o trauma altera o funcionamento normal do cérebro, ativando mecanismos de sobrevivência. Essa exposição crônica ao perigo leva a mudanças específicas nas áreas cerebrais vitais:
Além disso, a liberação crônica e excessiva de Cortisol e Adrenalina desregula o sistema endócrino e nervoso, contribuindo para problemas de saúde a longo prazo, como hipertensão e imunossupressão, mantendo o corpo em um estado de emergência constante.
A Psicanálise e o Afeto Reprimido
A cartilha também aborda a dor emocional sob a ótica da Psicanálise. Para essa perspectiva, o afeto (carga emocional) que surge durante uma experiência traumática e não pode ser expresso é forçado ao inconsciente por meio da repressão. Essa energia psíquica retida não desaparece, mantendo-se ativa e exercendo pressão no que é chamado de retorno do reprimido.
O retorno do reprimido pode se manifestar de formas disfarçadas e indiretas, como ansiedade intensa, somatização (dor física sem causa orgânica) ou traços de irritação. O sintoma é visto, portanto, como uma “solução de compromisso” que a mente encontra para expressar o conteúdo dolorosamente excluído. O trabalho terapêutico busca justamente resgatar e elaborar esses afetos aprisionados para que o trauma possa ser superado.
Parte II: Fortalecimento da Rede de Atendimento e Estratégias de Cuidado Humanizado
A compreensão das repercussões do trauma é essencial para um cuidado integral. A cartilha, destinada a profissionais da rede de atenção psicossocial, oferece orientações cruciais sobre identificação precoce do sofrimento emocional e estratégias práticas de intervenção.
Identificação e Consequências Sociais
Os impactos destrutivos da violência doméstica se manifestam em diversas esferas. Ao nível psicológico, é frequente o desenvolvimento de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), depressão crônica e ansiedade generalizada. No campo social, a vítima enfrenta isolamento, ruptura de vínculos e, frequentemente, dependência econômica devido ao controle coercitivo do agressor.
O sofrimento afetivo também se revela através de alterações emocionais intensas (como tristeza profunda, irritabilidade ou entorpecimento emocional), mudanças comportamentais (como isolamento social, hipervigilância, alterações de sono e comportamentos autodestrutivos), e dificuldades cognitivas (problemas de concentração, memória e flashbacks). A cartilha reforça que o reconhecimento desses sinais é o primeiro passo para o apoio adequado.
Estratégias de Acolhimento e o Papel do Profissional
A publicação enfatiza a necessidade de escuta sensível e acolhimento, baseada na validação da dor da vítima. A comunicação empática e desprovida de julgamentos é a base para o apoio emocional. É crucial que o profissional transmita a mensagem: “Eu acredito em você”.
As diretrizes de escuta ativa e acolhimento incluem:
A escuta ativa é um ato de humanização que resgata a dignidade e o controle subtraídos pelo agressor.
O Pilar das Políticas Públicas
Para garantir uma saída segura e sustentável do ciclo de violência, o material destaca a importância das políticas públicas e da rede de apoio. A Lei Maria da Penha (Lei n.º 11.340/2006) é o pilar que estabelece a violência doméstica como uma violação de direitos humanos, exigindo que o Estado adote medidas de prevenção, punição e assistência.
A proteção efetiva reside na integração e ação coordenada de diversos órgãos, garantindo que a vítima não dependa de um único ponto de ajuda, mas sim de um sistema articulado. Os canais formais de auxílio incluem:
A informação sobre esses recursos é uma ferramenta de proteção que pode ser decisiva para garantir o apoio efetivo. Ao acionar essa rede, a vítima mobiliza um aparato legal e social que visa garantir sua integridade e autonomia.
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